Estresse e burnout em professores no contexto da COVID-19
- Adelar Sampaio
- 2 de nov. de 2020
- 7 min de leitura

A pandemia da COVID-19, provocada pelo vírus SARSCoV-2, apresenta aos professores uma nova dinâmica de atuação, em vista da necessidade do distanciamento social.
Nesse contexto, além da excepcional circunstância com que se deparam a escola, professores, responsáveis e alunos, caracterizada pela grande veiculação de notícias sobre a pandemia, a mudança de rotina, o distanciamento físico, consequências econômicas, sociais e políticas relativas a esse novo cenário, existe a possibilidade comum de manifestações de sentimentos e emoções negativas, como medo, tristeza e solidão, ansiedade e estresse, que podem aumentar ou prolongar esse desconforto.
Para os docentes, dar conta desses desafios atuais pode não ser uma tarefa fácil para todos, já que, a exigência do advento, suscita a utilização de novos instrumentos de ação em suas atividades pedagógicas.
Lidar com esses novos desafios, pode ser uma experiência positiva, de sucesso, descoberta, ampliação de estratégias e percepção de auto eficácia e aprimoramento de novos métodos de ensino. No entanto, pode conduzir a sentimentos de desilusão, desmotivação, insucesso, e dificuldades em lidar com situações novas, o que pode diminuir a percepção de controle das situações requeridas.
A insatisfação frente a situações desfavoráveis e os constantes desafios que precisa enfrentar provocam sentimento de impotência, desejo de fugir da situação, culpa, indignidade, cansaço, irritabilidade, nervosismo, desgaste físico e mental.
Como consequência dessas implicações internas e externas, neste cenário, encontramos professores mais vulneráveis ao estresse. Como esforço de adaptação por parte do professor, poderão ocorrer como consequência, várias doenças ou predisposições ao desenvolvimento das mesmas. Quando o mecanismo de adaptação se esgota e os estímulos estressores continuam presentes, ocorre uma perda das reservas de energia, o docente poderá entrar na síndrome de burnout ou mal-estar.
Estresse (Distress e Eustress) e burnout
Estresse é uma reação psicofisiológica do organismo que ocorre quando a pessoa se confronta com situações que de algum modo a irrite, amedronte, confunda ou até mesmo a faça feliz (LIPP, 1996).
Selye (1959), pioneiro no estudo do estresse, propôs que o mesmo se desenvolve em 3 fases (modelo trifásico): Alerta, Resistência e Exaustão. Porém, Lipp (2014), no decorrer da padronização do Inventário de Sintomas para o Stress em Adultos (ISSL), encontrou uma quarta fase, a qual foi denominada de “quase exaustão”, sendo uma continuidade da fase da resistência. Desta forma, a autora sugeriu uma mudança no modelo trifásico proposto por Selye, afirmando que o estresse se desenvolveria em 4 fases:
Na fase de alerta, a pessoa precisa de mais força para enfrentar a demanda exigida. A percepção dessa situação ativa o mecanismo de luta ou fuga a qual ativa a produção de adrenalina e noradrenalina, que produzem um aumento de motivação no indivíduo e à curto prazo, aumento da produtividade. Os sintomas mais comuns desta fase são: mãos e pés frios, boca seca, desconforto no estomago, aumento de suor, tensão muscular, diarreia, dificuldades para dormir, taquicardia, respiração ofegante, hipertensão, entusiasmo súbito e geralmente são passageiros, de 1 a 2 dias.
Na fase de resistência o organismo busca a homeostase, o que gasta muita energia, portanto nesta fase é comum haver uma sensação de desgaste sem motivo aparente, dificuldades com a memória, entre outras consequências (LIPP, 2003).
Na fase de quase exaustão, as defesas do organismo começam a ceder e não consegue resistir às tensões e restabelecer a homeostase, porém em alguns momentos o organismo consegue resistir, mas logo cede novamente. É comum nesta fase, a pessoa apresentar oscilações de bem-estar e desconforto. Entre os sintomas mais comuns estão: problemas de memória, mal-estar, desgaste físico e mental, mudança de apetite, hipertensão sensibilidade emotiva, problemas dermatológicos, cansaço constante, tonturas, irritabilidade, dúvidas em relação a si (LIPP, 2014).
Por fim, na fase de exaustão, o organismo não tem mais forças para resistir ao estressor, há exaustão psicológica e física o que contribui para o aparecimento de doenças como depressão, hipertensão, entre outras (LIPP, 2003). Esta fase tem uma duração maior que as outras durando 1 mês ou mais e os principais sintomas são: diarreia frequente, dificuldades sexuais, insônia, tiques, hipertensão, mudança extrema de apetite, tonturas frequentes, úlcera, impossibilidade de trabalhar, vontade de fugir de tudo, cansaço excessivo, angustia, hipersensibilidade emotiva, perda do senso de humor, etc.
No contexto docente, as formas como cada professor pode lidar com as suas situações de mal-estar podem variar de acordo com a maneira como ele percebe a situação. O grau de mal-estar docente depende da forma como lida com potenciais fontes de mal-estar, podendo esta forma de lidar ser aprendida.
Já o burnout, em muitos casos associado ao conceito de estresse, é considerado como uma resposta ao estresse profissional prolongado e crônico que envolve três componentes: a exaustão emocional e/ou física, a despersonalização e a falta de envolvimento no trabalho, que pode ocorrer quando as capacidades ou competências de resistências e as estratégias de utilizadas pelo sujeito se revelam inadequadas ou insuficientes para lidar com tais situações.
O burnout na categoria profissional docente, age como um ciclo degenerativo de sua eficácia laboral, configurada como um conjunto de consequências negativas que afetam o professor a partir de uma ação combinada de condições psicológicas e sociais em que se exerce a docência, não devendo ser confundido com estresse.
DIFERENÇAS ENTRE ESTRESSE E MAL-ESTAR OU BURNOUT

O estresse, embora seja usualmente cunhado com uma conotação negativa, pode integrar-se no conceito de bem-estar docente, com base na distinção entre as situações de distress e de eustress (JESUS, 2002; 2007).
Como exemplo, no caso do professor, perante uma situação profissional, a avalia como difícil e exigente, pode atuar utilizando competências e estratégias na tentativa de lidar com a situação. Em caso de conseguir ser bem-sucedido, trata-se de uma situação de eustress, pois o professor otimiza o seu funcionamento adaptativo de tal forma que, se no futuro for confrontado com uma situação semelhantes, apresentar-se-á mais autoconfiante e terá maior possibilidade de resolver a situação desafiadora. No entanto, se o professor não for bem-sucedido e a tensão permanecer elevada durante muito tempo, pode manifestar sintomas de distress que traduzem a sua má adaptação à situação de exigência em que se encontra.
ESTRESSE PODE SE INTEGAR AO CONCEITO DE BEM-ESTAR

Programas de formação para o bem-estar docente
Como esperar que o professor contribua para o bem-estar social se ele próprio vivencia e sofre, em seu trabalho, um mal-estar profissional? Esse questionamento crítico de Penteado e Souza Neto (2019), está vinculado aos históricos desinvestimentos sociais e políticos na educação pública e na carreira docente.
Como forma de enfrentamento, além dos ajustes para atender demandas sociais e políticas, suscita a necessidade de os professores exercerem a profissionalidade numa dimensão que possibilite a promoção do cuidado, da saúde e do bem-estar profissional. Sobre esse redirecionamento, a formação de professores terá papel fundamental (PENTEADO; SOUZA NETO, 2019.
A formação (inicial e continuada), através de programas interventivos específicos, tem apresentado sucesso na potencialização de estratégias e habilidades aos docentes ante às situações desafiadoras, já que as formas com que os docentes lidam com as exigências podem ser aprendidas (JESUS, 2002).
O desenvolvimento profissional docente deve ser visto como um projeto contínuo, interligando a formação inicial e permanente dos professores ao longo da carreira, influenciado por fatores relativos à própria pessoa do professor e a suas necessidades e especificidades” (NÓVOA, 2017).
“As formas com que os docentes lidam com as exigências podem ser aprendidas”
As abordagens de formação, ainda devem
“[...] olhar para a cultura docente e a produção de sentidos do trabalho docente e do ser/estar professor (na perspectiva de transformações) quando se trata de discutir as possibilidades de um “devir” do corpo (ainda que seja o corpo sofrido, adoecido), do cuidado e do bem-estar docente, vinculados aos projetos de desenvolvimento profissional de professores e de profissionalização docente” (PENTEADO; SOUZA NETO, 2019, p. 150).
No que concerne à saúde e bem-estar docente, dentre as várias abordagens, entendemos que é importante um enfoque baseado numa perspectiva realista e otimista da função docente, além da necessidade de uma prática formativa voltada ao desenvolvimento da integralidade do docente (físico, sócio afetivo cognitivo e espiritual), cujo objetivo seja fornecer subsídios para a identificação e compreensão dos fatores de estresse e mal-estar e desenvolvimento do potencial humano, da otimização ambientes de trabalho mais saudáveis, da promoção da saúde e do bem-estar docente (SAMPAIO, 2008).
Sobre este aspecto, o Programa de Apoio ao Bem-estar Docente (SAMPAIO, 2008), desenvolvido em várias instituições, tem apresentado significativos resultados e possibilidades de crescimento e ampliação de habilidades e estratégias de enfrentamento do estresse excessivo e do mal-estar docente.
De forma específica, os vários temas que o programa integra, estão alinhados a um método que conduz o professor inicialmente à identificação de potenciais causas e fatores que levam o docente ao estresse excessivo e ao mal-estar, seguido de fase de análise de possíveis medidas, de planificação de um projeto de ação pessoal, profissional e social, com vistas à implementação em seu cotidiano.
Conheça o ‘Programa de Apoio ao Bem-estar Docente’ ou faça um contato.
Adelar SampaioIDEALIZAADOR do “Programa de Apoio ao Bem-estar Docente” (SAMPAIO, 2008);
DOUTOR e MESTRE em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS;
LICENCIADO em Pedagogia e Educação Física.
EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL de 25 anos no magistério, com atuação na Educação Básica e Ensino Superior.
DOCENTE na Unioeste no curso de Educação Física Licenciatura.
PESQUISADOR dos temas Bem-estar, Mal-estar Docente, Saúde Docente.
AUTOR de diversos artigos publicados em periódicos e eventos científicos nacionais e internacionais na área da Educação e Saúde.
Referências
JESUS, S. N. Perspectivas para o bem-estar docente. Porto: ASA Editores, 2002.
JESUS, S.N. Professor sem stress. Porto Alegre: Mediação, 2007.
Lipp, M.E.N. Pesquisas sobre stress no Brasil: saúde, ocupações e grupos de risco. Campinas, SP: Papirus, 1996.
LIPP. M.E.N. Modelo Quadrifásico do Stress. In Lipp. M. E. N. (org). Mecanismos Neuropsicofisiológicos do Stress. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
LIPP, M.E.N. Manual do Inventário de Sintomas de Stress para adultos de Lipp. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2014.
NÓVOA, A. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, 2017.
PENTEADO, R.Z.; SOUZA NETO, S. Mal-estar, sofrimento e adoecimento do professor: de narrativas do trabalho e da cultura docente à docência como profissão. Saúde Soc. São Paulo, v.28, n.1, p.135-153, 2019.
SAMPAIO, A. A. Programa de Apoio ao Bem-estar Docente: construção profissional e cuidar de si. 2008. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação da PUCRS, Porto Alegre, 2008.
SELYE, H. Stress: A tensão da vida. São Paulo: Ibrasa, 1959.
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